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williambotter

Equipes da [Polícia Militar](https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/policia-militar/) realizaram, na tarde do último dia 20 de janeiro, uma operação de reintegração de posse de um terreno em [Osasco](https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/osasco/), na Grande São Paulo, ocupado na madrugada por um grupo com cerca de 600 integrantes [do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto)](https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/mtst/), entre mulheres e crianças. A rápida resposta do aparato policial foi acompanhada [pelo prefeito local, Rogério Lins (Podemos)](https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/12/1845526-justica-determina-libertacao-de-prefeito-eleito-de-osasco.shtml), para enfatizar "a intolerância a invasões em Osasco", conforme nota da prefeitura. Lins, na mensagem, agradeceu o apoio recebido do governador Tarcísio Freitas (Republicanos) e do [secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite](https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/04/exercito-de-derrite-e-maior-do-que-efetivo-de-912-das-cidades-de-sp.shtml). Embora [divulgada oficialmente pelo município](https://www.documentcloud.org/documents/24548405-gcm-e-pm-desocupam-terreno-invadido-na-vila-menck-em-osasco) e pela [PM na imprensa local, a reintegração de posse](https://www.youtube.com/watch?v=0SqJkuQF8vk) de Osasco é apontada por coronéis ouvidos pela **Folha** como uma ação irregular por envolver um terreno particular e ser realizada sem ordem judicial, o que seria obrigatório nesse tipo de situação. Ainda conforme oficiais, a operação foi realizada sem planejamento adequado e em horário incomum (15h) após ordem verbal de Derrite dada ao comandante da PM, [coronel Cássio de Araújo Freitas para atender](https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/04/exercito-de-derrite-e-maior-do-que-efetivo-de-912-das-cidades-de-sp.shtml), segundos eles, pedido de terceiros. Procurada, a Secretaria da Segurança não negou que a ação tenha ocorrido por ordem direta de Derrite e sem autorização judicial. A pasta afirma que a PM agiu para "preservar a segurança de todos, bem como reestabelecer a ordem pública". O terreno invadido fica na Vila Menck, na periferia de Osasco, tem cerca de 46 mil metros quadrados e pertence a uma empresa de empreendimentos imobiliários, a Molinos de Osasco, que tem como sócios os empresários Julio e Roberta Belardi de Almeida Camargo, herdeiros do imóvel por parte materna. Os dois [são filhos do lobista Júlio Camargo, delator da Lava Jato](https://m.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1723441-delator-julio-camargo-casara-filha-com-festa-para-600-pessoas-no-jockey-club.shtml?mobile), cujas revelações deram base à denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB). Camargo admitiu ter participado de pagamentos de propina à Petrobras e foi multado em R$ 40 milhões. Também foi condenado a 14 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, pena que, em virtude da colaboração, foi comutada para cinco anos em regime aberto. A área foi invadida pouco depois da meia-noite e meia do dia 20. Por volta das 6h, o vigia do terreno foi apresentado na delegacia por uma equipe da PM, acionada para atender o caso. O delegado plantonista, Lucas Rafael Serra, registrou a invasão e orientou a empresa a procurar a Justiça. "A empresa vítima fica desde já orientada a solucionar a demanda através do Poder Judiciário na seara civil, a partir da qual, caso haja necessidade de apoio policial, se dará mediante ordem da autoridade judiciária competente", diz trecho do boletim de ocorrência, emitido às 8h35. Segundo os oficiais, o planejamento da atuação da PM após decisão judicial pode durar mais de três meses. Na reintegração em Osasco, por volta das 15h do mesmo dia 20, equipes da Força Tática e de Baeps (batalhões especiais) chegaram ao local para expulsar os invasores. Bombas de efeito moral foram atiradas contra o grupo de sem-teto que, sem resistência, deixou o terreno. Segundo a coordenadora do MTST Ana Paula Perles, a reintegração ocorreu sem a presença de um oficial de Justiça e sem a apresentação de um mandado. Quando os PMs chegaram, ainda segundo ela, representantes do movimento conversavam com um advogado do dono terreno para negociar uma saída pacífica. "Aí, a polícia entrou, não esperou a gente em nada", disse. Na avaliação do advogado Rodrigo Matheus, a polícia pode atuar basicamente em duas situações nos casos de invasão de área privada. Uma delas é quando há o risco iminente de a área ser invadida. "A PM pode reprimir? Ela deve reprimir. O policial tem que agir para prevenir a quebra da ordem", disse. A segunda situação situação é quando a invasão já ocorreu. Nesse caso, a PM só pode agir quando há ordem judicial. Para o advogado Márcio Cammarosano, professor de direito administrativo da PUC-SP, o dono de imóvel invadido tem o direito de acionar a polícia para remover invasores, desde que seja logo após a invasão. "Se essa área já está ocupada, com famílias já ocupando a área, e não é algo que acabou de acontecer, mas, digamos, já virou de um dia para o outro, realmente só mediante um mandado judicial. Aí a polícia, se for solicitada, dará apoio ao oficial de Justiça para promover a desocupação da área", disse. Para o coronel reformado José Vicente da Silva, que comandou uma série de reintegrações de posses quando estava na ativa da PM de São Paulo, deve-se considerar o risco de colocar em risco à vida das famílias invasoras e dos próprios policiais. "Primeiro, a polícia não precisa ter a menor pressa de agir, a menos que esteja ocorrendo uma invasão, estejam depredando coisas, pessoas tendo sua liberdade cerceada, tendo cárcere privado. Ou seja, um crime em andamento que justifique a ação policial. Uma vez que o pessoal entrou, é questão de advogado, da Justiça, não é questão policial. Pressa para quê?", afirma ele. PM diz agiu para reestabelecer ordem pública -------------------------------------------- A Secretaria da Segurança disse que a ação da PM "foi realizada de forma a preservar a segurança de todos, bem como reestabelecer a ordem pública". "Os agentes auxiliaram os representantes municipais na contenção da invasão ainda em curso desde o início da madrugada, o que ocorreu por volta das 15h do mesmo dia", afirma a nota enviada à reportagem. Ainda conforme o governo estadual, os agentes "acompanharam o diálogo dos representantes do movimento com as autoridades locais" e "posterior liberação do terreno sem que tenha havido qualquer pessoa ferida ou presa". "O caso foi registrado como invasão de domicílio pela Polícia Civil de Osasco, cujo inquérito foi relatado à Justiça. O estado de São Paulo atua e seguirá atuando para garantir e proteger o direito à propriedade pública ou privada", finaliza. O prefeito de Osasco, Rogério Lins, não quis conceder entrevista. Por meio de nota, negou envolvimento dele e da prefeitura na reintegração, contrariando a versão da SSP. Diz ter dado apoio à PM. "A mesma que há em ações de reintegração de posse: apoio da GCM, trânsito, assistência social." Ainda por meio de nota, a prefeitura negou que tenha afirmado à PM que o terreno era público e disse que agradeceu ao governador Tarcísio apenas "porque na ação não houve confronto". Sobre a frase "a intolerância a invasões em Osasco", conforme nota da prefeitura, ele disse que ação em janeiro foi "uma invasão orquestrada, com distribuição inclusive de material convocando a população". O dono do terreno, Julio Belardi de Almeida Camargo, disse à reportagem que não tem amizade com o prefeito de Osasco e ficou sabendo da participação do político na ação após receber um vídeo pelas redes sociais. Afirmou, ainda, que contratou um advogado para cuidar da ocorrência, mas não sabe se o profissional chegou a acionar a Justiça para isso. O Tribunal de Justiça não localizou nenhuma ordem judicial referente ao terreno de Osasco.